quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Receita Federal

Eis que o PT engoliu o lulismo, que se esqueceu de ser PT. O Partido do presidente, no seu afã de politizar órgãos que não podem prescindir de funcionários e técnicos independentes e especializados, loteou a Receita Federal de “companheiros” e sindicalistas. Assim, o PT do presidente começou a esquecer suas origens e resolveu privilegiar grandes interesses, eleger o caminho da demagogia e da proteção de seus feudos, começou a pressionar seus próprios membros para “aliviar”, “agilizar” pessoas e empresas.

E o PT sindicalista se revoltou contra o Partido do Lula. Um virtual
expurgo virou uma rebelião, e a Receita Federal entrou numa crise
sem precedentes.

EDITORIAL DA FOLHA

domingo, 16 de agosto de 2009

Corrupção - Celso Lafer

A palavra corrupção vem do latim, do verbo corrumpere. O significado originário da palavra é o de estragar, decompor. Na filosofia aristotélica é uma das espécies de movimento que levam à destruição da substância. Políbio, tratando dos modos pelos quais os regimes políticos mudam e, por isso, alteram a sua substância por obra do movimento da corrupção, recorre a uma metáfora esclarecedora. Indica que a corrupção, nos regimes políticos, exerce papel semelhante ao da ferrugem em relação ao ferro ou ao dos cupins em relação à madeira: é um agente de decomposição da substância das instituições públicas.

Valendo-se da "lição dos clássicos", Michelangelo Bovero, ao pensar problemas da política contemporânea, aponta os riscos do movimento da corrupção. Um dos mais significativos é o de favorecer uma kakistocracia, literalmente o governo dos piores, que abre espaço tanto para a demagogia do pão e circo quanto para a plutocracia, na qual prevalece a influência do dinheiro na gestão governamental.

Faço essas rápidas remissões à teoria política com o objetivo de realçar que o tema da corrupção vai além da transgressiva conduta individual de pessoas em esferas e rincões da vida nacional. Transcende, igualmente, a dimensão técnica do elenco de crimes contra a administração pública, tipificados na legislação penal e voltados para apenar as múltiplas formas de ilícitos de que se reveste a corrupção (peculato, concussão, prevaricação, tráfico de influência, etc.). É um sério problema de profundo alcance político. Enseja o que Raymond Aron chama de corrupção do espírito público.

A corrupção do espírito público mina a confiança das pessoas nas instituições democráticas, que nelas não vislumbram uma postura efetivamente voltada para o interesse comum. Com efeito, a corrupção é o cupim que está decompondo as aspirações republicanas consagradas na Constituição de 1988, pois a res publica - o bem comum - está sendo confundida, e não diferenciada, como na formulação de Cícero, do bem privado (res privata), do bem doméstico (res domestica) e do bem familiar (res famialiaris).

Realço o que isso significa nos dias de hoje, pois o declínio de políticas ideológicas e a complexidade dos assuntos que são da responsabilidade de um governo fazem da credibilidade um elemento fundamental da governança. A corrupção é um redutor da confiança na classe política, nas instituições e nos partidos, que tem, assim, consequências para o bom funcionamento do sistema político, pois cupiniza o seu capital simbólico.

Gianfranco Pasquino caracteriza a corrupção política como a prática de comportamentos incompatíveis com as normas que, em consonância com os valores maiores da sociedade, regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Uma medida da corrupção política é a dada por todas aquelas ações ou omissões dos detentores do poder político que violam normas jurídicas gerais para perseguir interesses e vantagens particulares. Lembro que uma das virtudes do Estado Democrático de Direito é o respeito às leis e, muito especialmente, à Constituição, e uma dimensão da falta de virtude é a complacência no afrouxamento da sua força obrigatória.

Na Constituição de 1988 o artigo 37 é um paradigma de normas jurídicas gerais que regulam o exercício legítimo do poder na esfera pública. Estabelece os princípios a que a administração pública deve obedecer. Destaco o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade e o da publicidade como os mais pertinentes no trato da corrupção, pois assentam os padrões de conduta que dão a vis directiva do interesse público.

O princípio da legalidade afirma que a atividade administrativa se rege pelo atendimento das normas jurídicas com base na lei, cuja finalidade é sempre a presunção do interesse público. O princípio, que fundamenta o Estado Democrático de Direito, está voltado para embargar os ilícitos da corrupção provenientes dos desmandos e favoritismos no exercício do poder.

O princípio da impessoalidade assevera que a administração pública deve tratar a todos sem distinções, em obediência ao republicano princípio da igualdade. O clientelismo das nomeações, o compadrio, o favorecimento da família, em síntese, as modalidades de corrupção provenientes da confusão entre o público e o privado, entre a Casa e a Rua - para lembrar a formulação de Roberto DaMatta - são alvos desse princípio.

O princípio da moralidade aponta para o fato de que o direito, como a disciplina da convivência humana, sempre tem como piso um mínimo ético. O princípio é a cobertura axiológica da boa-fé e da confiança que deve cercar, na relação governantes-governados, a aquisição e o exercício do poder. Por isso adensa o conteúdo jurídico das normas, cuja inobservância configura a improbidade administrativa como modalidade de corrupção que propicia a associação ilícita entre o dinheiro e o poder.

O princípio da publicidade parte de um pressuposto essencial da democracia: o público, por ser o comum a todos, deve ser do conhecimento de todos, e não ser guardado em sigilo nas arcas do Estado. A transparência propiciada pela publicidade e fortalecida pela liberdade de expressão dá aos governados condição de controle da ação dos governantes. No plano ético, está voltado para embargar as modalidades da corrupção que se escondem no criptogoverno de atividades e atos secretos, que não passam pelo teste da moralidade oferecida pelo sol da publicidade. Como dizia Machado de Assis, "corrupção escondida vale tanto como pública; a diferença é que não fede".

Neste momento, no Brasil, para a cidadania, o cheiro está insuportável.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Políticos de uma nova geração

Ética, Política e um Pacto

O que presenciamos nestes dias nas ações dos políticos atuantes em nosso cenário nacional vai contra qualquer princípio e ética, preceitos imperativos para qualquer um que decida enveredar-se pela política. A política per se é uma das mais nobres profissões, porque implica em responsabilidades ímpares. O exercício da política requer ações e decisões estratégicas, que impactarão na vida de uma nação, no bem-estar de seu povo.

Infelizmente, a história – especificamente nossa história recente –abunda com modelos de políticos que esqueceram seus princípios e que, para manter o poder pelo poder, ou para auferir benesses financeiras, esqueceram-se das premissas básicas de suas funções.

Max Weber, sociólogo do início do século XX, declara que política exige pessoas que desenvolvam a capacidade de ponderar, de manter equilíbrio entre paixão e perspectiva, entre o desejável e o possível. Mas também relata que o político pode abrir mão de algumas aspirações, se assim o momento exigir, mas que, chegando a certo limite, colocará seus princípios como a fronteira final: “Não posso fazer de outro modo; detenho-me aqui.”

O que temos presenciado vai além do maquiavelismo, doutrina que fundamenta uma conduta política baseada no princípio de que o fim desejado justifica o uso de quaisquer meios, por piores que sejam. O próprio fim já está deturpado: muitos dos nossos políticos mais tradicionais escolheram como causa final o ganho pessoal ou partidário, representado pela perpetuação do poder ou pelo favorecimento econômico.

Weber define o político por vocação e ressalta três qualidades
imprescindíveis: a paixão, a responsabilidade e o senso de proporção. A paixão requer a dedicação irrestrita a uma causa: o bem estar do povo. Entretanto, só paixão não faz o bom político, se a paixão enquanto devoção a uma causa também implique em fazer da responsabilidade para com tal causa a estrela guia de suas ações. Para tanto, um senso de proporção é fundamental. O senso de proporção é a qualidade psicológica decisiva do político porque requer a capacidade de distanciamento das coisas e dos homens. Significa a “capacidade de deixar que as realidades atuem sobre ele com uma concentração e uma calma íntimas.” Sendo assim, o político que se preze deve ininterruptamente superar internamente um adversário trivial e por demais humano: a vaidade.

Creio que nosso país anda exigindo isso de nós, que escolhemos e
sentimos a vocação da política: que deixemos de lado vaidades,
fisiologismos, clientelismos, ganância, corporativismo, busca do
poder pelo poder.

Cabe a nós, políticos de uma nova geração, restabelecer princípios e ética que, admito, não são prerrogativas apenas nossas, mas que
parecem ter sido esquecidas por grande parte desta geração. A verdade é que há uma nova gênese no meio político nacional: pessoas que amam este país e este povo e que entendem que fazer política é uma profissão que pode ser desempenhada com lisura, com conhecimento social, com altruísmo. Esta nova classe política é filha da indignação para com os modelos arcaicos. São
pessoas que adentram a política pensando no bem maior.

Nós, que cansamos da velhacaria, devemos então fazer um pacto para defender nossas causas sociais com paixão, mas com responsabilidade, discernimento, dedicação e com o cuidado reverencial de quem é responsável pelo bem público. Nós, que nos dispomos a abraçar este nobre caminho, devemos fazer um pacto de sempre lembrar o que e quem nos fez chegar até aqui, transformando-nos em defensores das causas deste povo.

domingo, 9 de agosto de 2009

Amigos

Amigos são presentes de Deus

Amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o
amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar, embora não sem dor, que
tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!
Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus
amigos e o quanto minha vida depende de suas existências …
A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
Mas, porque não os procuro com assiduidade, não
posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem
que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro,
embora não declare e não os procure.
E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem
noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu
equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente,
construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
E me envergonho, porque essa minha prece é, em
síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando
daquele prazer …
Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a
roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando
comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus
amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber
que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.
Vinícius de Moraes