sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Harmonia dos Poderes?

"Independência e harmonia dos Poderes são indispensáveis para o fortalecimento da democracia e para o país"

CHARLES-LOUIS de Secondat, ou Charles de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689 em Bordeaux, França, e morreu em 10 de fevereiro de 1755, em Paris. Político, filósofo e escritor, ficou famoso pela sua teoria da separação dos Poderes, acolhida em muitas Constituições, inclusive a brasileira.
A teoria da tripartição dos Poderes do Estado foi desenvolvida por Montesquieu no livro "O Espírito das Leis", escrito em 1748. O autor partia das ideias do inglês John Locke. A tese da existência de três poderes remonta a Aristóteles, na obra "Política". Montesquieu dividiu os Poderes separando-os em Executivo, Judiciário e Legislativo.
As Constituições brasileiras acolheram a tese montesquiana. A Constituição cidadã de 1988, em seu artigo 2º, dispôs que os Poderes são independentes e harmônicos entre si, tornando tal disposição cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4º, III). Tal determinação estaria sendo observada nos tempos atuais? Vejamos: o Executivo, com fundamento nos artigos 59, V e 62 da Constituição, editou centenas de medidas provisórias, a maioria delas sem os requisitos indispensáveis de relevância e urgência.
O Congresso Nacional teve suas pautas travadas, congestionadas, paralisando os trabalhos legislativos. E o que é mais grave: na tramitação de muitas das medidas provisórias foram acolhidas emendas que nada tinham a ver com o seu cerne, verdadeiras "emendas piratas" desnaturando a medida que sucedeu o decreto-lei e o processo legislativo.
É o Poder Executivo avançando na competência do Poder Legislativo, editando medidas provisórias sem os requisitos constitucionais de relevância e urgência. Felizmente, o presidente da Câmara, deputado e jurista Michel Temer (PMDB-SP), em boa hora interpretou corretamente a questão do travamento da pauta do Congresso e, com o apoio do Supremo Tribunal Federal, minorou os seus efeitos.
O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho, em recente entrevista ao jornalista Juliano Basile (jornal "Valor Econômico" de 4 de novembro), diz acreditar que o Supremo Tribunal Federal esteja avançando em assuntos do Legislativo e do Executivo no que ele chama de "ativismo judicial exagerado".
Reconhece que, ao entrar nessas questões, o Supremo faz alertas aos outros Poderes, com mensagens positivas e busca de soluções para os problema brasileiros. O professor Canotilho é um dos principais constitucionalistas de Portugal (catedrático da Universidade de Coimbra) e defende que a Constituição deve ser um programa para o país.
O problema é que a Constituição brasileira de 1988 está sendo conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, e ele pergunta se é função do Judiciário resolver questões como demarcações de reservas indígenas, infidelidade de políticos aos seus partidos e uso das algemas pela polícia.
O mestre português faz referência às súmulas vinculantes, compreendendo a tentativa de dar alguma ordem, mas o problema é que as elas se transformam em direitos constitucionais enquanto não são revogadas pelo próprio STF.
O professor Canotilho vê também um aspecto positivo no fato de o Supremo transformar julgamentos em alertas. Por exemplo, se o Congresso não aprova a lei de greve dos servidores públicos, o Supremo decide por analogia que os funcionários públicos terão de cumprir as regras da greve para o setor privado.
O Legislativo, igualmente, em determinadas decisões, teria invadido competência do Judiciário, ao julgar parlamentares acusados de desvios éticos, ao instalar comissões parlamentares de inquérito e agir como se Poder Judiciário fosse. Independência e harmonia dos Poderes são indispensáveis para o fortalecimento da democracia e, consequentemente, para o país.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 70, advogado, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Fundação Nuce e Miguel Reale. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001-2002).

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